quinta-feira, 28 de junho de 2007

The girl with a kaleidoscope eyes

Ele está escrevendo um livro onde o personagem principal, um escritor, se apaixona pela personagem de um livro que achou jogado numa banca de sebo em Buenos Aires e que não vale dois pesos. Um homem que era o sonho de outro homem.
De vez em quando, me envia fragmentos do livro. Eu leio atenta e tento perceber seu engenho, buscando a origem das palavras, os intertextos e desmonto as peças uma a uma para entender que funções desempenham naquela construção.
Temos a mesma formação. Ambos comemos realismo fantástico com farinha. E uma coisa que aprendemos com a Argentina é que literatura é sobretudo arquitetura. Talvez se começássemos a caminhada por Guimarães Rosa ou Joyce, desistiríamos no meio do caminho, sem entender isso. Ou através da poesia, com a sua métrica, a palavra nada diria, porque não saberíamos nem que pergunta fazer.
Eis que nos chega o conto, abarrotado de lirísmo. E cada palavra é única e muitas. É metáfora. Eu nunca gostei de poesia, nunca gostei de física e muito menos relacionei uma coisa à outra.
Tropecei em "el viejo" e lancei sobre ele um olhar de historiador. Encontrei mais do que um conteúdo para ilustrar minha leitura e me confundi com a entropia dos seus contos.
No primeiro corte, retirei uma fina camada de pele e tentei ordenar de maneira linear o desenrolar das ações. Como causa e efeito, antes e depois, passado, presente e futuro. Começo, meio e fim. Assim, eu fui treinada.
Me perdi e recomecei.
Cravei o bisturi um pouco mais fundo, retirei uma segunda camada de pele, percebi que o curso da história, apesar de se tratar de um conto, não era linear, mas cheio de encontros e entrecruzamentos no tempo. Foi então que desviei minha atenção para a sua estrutura deixado de lado o seu conteúdo. As intersecções no tempo delineavam formas geométricas, como círculos concêntricos, cujo centro estava em todas as partes e a circunferência em nenhuma.
Seguindo o rastro das palavras, nunca consegui achar o fim ou o começo da trama, mesmo tomando consciência da configuração do espaço em que me perdi.
E os mesmos elementos retornam sem cessar, dispostos de maneira desordenada, reconfigurando o desenho do conto. Tal qual, os grãos de areia de uma amplheta.
Abri uma janela na internet, lhe escrevi que mirava um mosaico de cores através de uma lente fixada a um tubo de papelão. Como um bom leitor de Cortázar, ele me pediu um caleidoscópio de presente.

Tempo Rei




Agora sim: labirinto sobre ampulheta. E pra quem puder entender que isso, antes mesmo de ser uma viagem de LSD, é Kafka, Borges, Niesztche, Sherazade, Homero, Shakespeare, Cortázar, Proust, Walter Benjamin, Clarice.

E os nossos avós que nos contavam histórias de um mundo em que o tempo passava vagaroso. E nós que contaremos histórias sobre os nossos avós.