quarta-feira, 3 de março de 2010

Antipenélope

Não sei se por coincidência ou a mania que os seres humanos têm de buscar analogias, mas, nesta semana estava lendo a Odisséia quando, logo depois, abri Roland Barthes: "Fragmentos do discurso amoroso". Abri uma página onde o autor falava da mulher como áquela que espera.

Penélope espera Ulisses voltar depois de mais de uma década no mar. O homem, segundo Barthes, é aquele que se lança às aventuras e a mulher espera. Espera no lar, que é o microcosmo feminino desde que o mundo é mundo. Apenas em meados do século passado é que isso começa a mudar.

Barthes ainda diz que o homem que sofre, chora e espera pela mulher amada que se foi, é um homem feminilizado. Ele fala de literatura, fala dos personagens masculinos. Ou melhor, da construção das vozes masculinas na literatura.

Penélope é uma personagem reverenciada como um dos poucos retratos de personagens femininos inteligentes e com vontade própria na literatura universal. Num mundo tomado por homens. Quem fala é o homem.

Pois, acho que Penélope deveria depois de tantos anos de espera, amancebar-se com um dos pretendentes que tomam a sua casa, ao invés de ficar tecendo e desmanchando uma manta à espera de Ulisses que se aventura por anos a fio, longe de casa.


Vai viver Penélope.


Ps. Agora, lembrei-me de Joyce que criou Molly Bloom como antítese de Penélope em "Ulisses". Diga-se de passagem, é só por conta de "Ulisses" que estou lendo a Odisséia. A personagem é uma mulher que trai o marido:avesso condenável. O "Ulisses" de Joyce é o marido que só se aventura nas ruas de Dublin.