terça-feira, 7 de outubro de 2008

A linha da vida

Ando num ritmo alucinante de trabalho, principalmente porque a distância entre a minha casa e meus locais de trabalho é deveras extensa.

Antes assim: prefiro estar atolada de trabalho do que não ter nenhum. Além dos afezeres domésticos. Essa coisa de todo dia ser dia de varrer, dobrar, arrumar, esticar, lavar, esfregar, torcer, pendurar, picar, refogar, temperar, mexer, grelhar. Todos os verbos cabem na rotina da casa.

Mas estou tão feliz de tomar as rédeas da minha vida, que não tem vida de comodidades que compense a sensação de liberdade que é ter o meu canto. Por isso que demoro 3 horas por dia indo e voltando do trabalho sem reclamar. Se é o trabalho que me possibilita pagar pela minha alforria (irônico não?), trabalhemos.

É bem verdade que me afastei dos livros e que de vez em quando folheio algum de saudade. O último foi do Thomas Mann, no trem sentido Japeri. Que contraste ler "Morte em Veneza" naquela calor, sacolejando minha barriga de seis meses ao som do atrito do trem. Me lembrei da Ive, que dizia que o ato de varrer a cozinha no decorrer da escrita da sua dissertação sobre Benjamin, a conectava com realidade e que isso era importante.

Independente da alienação que o trabalho traz, e professores trabalham cada vez mais, faço um esforço para que não mecanize meu ofício e tire algum prazer e alguma reflexão disso. E tome mais trabalho!

Por enquanto, a inquietude não deu sinais de explodir, apesar de duvidar de vez quando da escolha que fiz para a minha vida. Será que reproduzir o padrão das gerações anteriores: trabalho, casamento, filhos foi a melhor opção? No presente momento, não me arrependo das minhas escolhas, pelo contrário. Apesar da repulsa da maioria dos meus amigos balzaquianos que negam esse modelo e estendem a adolescência até onde podem. Eu sempre quis isso, sempre quis a minha família. Talvez porque nunca tenha tido isso, ou para reparar o desleixo dos meus pais para comigo e minha irmã numa época em que o casamento era o caminho "natural" da vida.

A gente se descobre muito careta. Mentira, eu sempre me soube assim. E tenho a sensação de que nada é mais valioso do que a família que eu conquistei. Troco qualquer vida glamourosa pela minha vida de tripla jornada de trabalho.

E tenho uma paz de espírito que nunca tive. Não existe espaço para a melancolia. A consciência de me saber mais uma na multidão e de que viver é isso aí. Acordar, lavar, passar, esticar, cortar, reforgar, amassar...Fiz o caminho inverso ao da Ana de Clarice e aquele homem cego que mascava chicletes no bonde me tirou num estalo de uma floresta fantástica para a segurança do lar doce lar.

Felicidade é isso aí pra mim.