saberia algum dia a existência de um lugar quando se desconhece até o tamanho da própria cara?, eu que retornei tantas vezes àquele porto construído de frente para um tanque, porque não se pode chamar de outra coisa um recipiente cheio de água para simular o mar, a devastação de edifícios antigos que impediam a miragem de um horizonte, o pier onde nos sentamos para rir daquela paisagem, das famílias inteiras que saíam das províncias para admirar a grande obra do governo, a comprovação do desenvolvimento do país, uma nação sem saída para o mar está destinada a se consumir por dentro, impedida de avançar, travar contato com outros povos, de percorrer mundos novos, ir além de si mesma, você que nunca quis entrar naquelas sucatas transformadas em naves, sempre abertas à visitação, fantasias de marinheiro acenando do convés, a sirene das seis horas, deprimente, não valia a pena, suas palavras, que se tornaram minhas, como tantas outras, o seu gosto pelos barcos, a habilidade com que os fazia com qualquer papel, folhas de revista, panfletos, o caderno cultural do jornal, porque tanta inteligência não pode afundar, de qualquer maneira, você já não estava ali encostada no parapeito, absorvida pela sinuosidade das águas, o ruído quase secreto do motor no fundo do mar, à espera de uma onda bravia que afogasse a cidade inteira, todas as vozes e desejos que dela emanavam, nada mais prestava, sua face contraída, choro interrompido, as sucatas navegando pelas bordas do tanque, o resgate de um barco encalhado no meio do mar, pescadores que se despediam com as redes vazias, a tempestade que cismava de ignorar os prognósticos meteorológicos, tudo isso te parecia excessivo, uma encenação rude da ubíqüa vontade de partir, e, agora, eu pensava que você tem razão, ao ter avistado seu romance predileto sujo de óleo, à deriva, na água gris, à frente de outros objetos lançados, uma competição informal, no qual o vencedor é o que se perde mais rápido, se converte no indefinido, o romance que você relia ao se sentir distraída, ausente, um rasgo de angústia como companhia, o romance de páginas soltas, sem numeração, personagens pelos quais você nos identificava, devido à impossibilidade de ir, como se as fronteiras fossem cercadas pelo tanque, e o romance, a fragata, única embarcação capaz de suportar os infortúnios do trajeto, já não somos os que ficam, mas os personagens que escaparam, sacrifício necessário, doação inevitável, estranho silêncio lutuoso, abafado pela tormenta, nesse dia finalmente choveu, o guarda-chuva escondido em algum cômodo inexplorado da casa, o mar se entregou ao dilúvio, rompeu com os limites do tanque, se acabou e eu não estava contente, não encontraria ela, o desajuste do encontro, precipíome, e o que se vê é isso encurvado na margem, as ondulações do rosto no reflexo do rio são rétidas e cristalinas, a alguns passos, distância infinita, escorre entre a ilha e a porção de terra, homem que não desagua, memórias misturadas aos resíduos apodrecidos na areia, mas eram os músculos que rangem à oscilação dos estilhaços ao se mexer daquilo, o relógio antecipou o tempo...
*Texto de TH.
quinta-feira, 20 de setembro de 2007
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25 comentários:
Senti falta de ar ao ler esse texto em voz alta e me senti claustrofóbica com tantas vírgulas.
É preciso lê-lo devagar.
foi à bienal?
eu leio muito rápido, quando tento em voz alta. XD
belo texto, menino! e o curioso é que me remeteu a um punhado de narrativas saturadas de mar. eu estava falando com a érica ontem, da aflição que alguns cubanos expressam, da agonia de viver ilhado, ensimesmado, "se consumindo por dentro"; no entanto, tanto mar! penso em como deve ser asfixiante viver em uma ilha, e eu nem estou me referindo às peculiaridades do regime cubano.
agora lembro das histórias do gabriel garcia marques (sei que você não gosta dele, ainda não entendi exatamente porque, mas essa é conversa pra outra hora). li dele contos sobre povoados litorâneos, dão a impressão de que o mar do caribe pode representar um confinamento do tamanho do piscinão de ramos ou do lago paranoá! vai ver a inquietação é de espírito, porque às vezes também parece que tá todo mundo aclimatado, menos você, e aí, nego, o jeito é aprender a respirar devagar porque o ar vai lhe faltar em brasília, em iguatú ou em manhatan.
he,he,he, devaneei!
brigado |D
é, hoje na aula aprendi (quem disse que a gente não aprende nada em sala de aula eheh) que os seus cubanos já foram os mais experimentais com a linguagem.
deve ser estranho mesmo morar numa ilha, principalmente quando isso é muito visível cotidianamente. (vai, uma ilha grande ou tipo morar no meio da austrália.)
é, esse aclimatado geral que é estranho. onde fica iguatú?
na dúvida, balão de oxigênio na mochila.
he,he, iguatu fica no interior do ceará. é a cidade onde se passa a história de "o céu de suely", você já assistiu? um filme sobre aflição de espírito, um dos melhores desses novos nacionais. muito, muito bom!
vi não, mas li sobre, num desse jornal de maior circulação na cidade.
rola na net? eheh
esqueci de avisar que estou no aguarde do comentário de vcs sobre aquele programa do governo de pagar aluno que se esforçar na escola ehehet
bom, eu mesma não posso falar nada, há dez anos que o estado me paga pra ser boa aluna, he,he,he!
a solução é importar alunos cubanos, né ericota?
assisti "terra sonâmbula" ontem! a história é muito boa, mas o filme é amador. pelo que vi, acho que você gostaria do livro.
Se fossem alunos cubanos o César Maia iria à falência. haha
Ele só prometeu isso pq sabe que é muito difícil cumprir a promessa no estado de coisas em que se encontra a socidade e consequentemente a "cientela" do ensino público como um reflexo dela. É uma piada.
aos poucos veremos surgir um mercado negro de notas altas. extorções, negociações clandestinas e muita chantagem na busca desesperada por um conceito "A". a expropriação de uma porcentagem da mesada escolar dos alunos torna-se a fonte informal de renda dos professores mal pagos. um esquema inteligente, sigilosa e perigosamente executado até que a morte misteriosa de um rico professos de matemática leva à investigação do "caso das notas sujas"! escreve essa história, thiago! he,he,he!
nos anos sessenta, quando eu ainda era jovem e estava no ginásio, estudei numa escola estadual de são joão de merití. minha professora de história da oitava série trocava notas por prenda pra festa junina, dinheiro pra pintar a sala de aula, venda de rifas pra consertar o ventilador. os meninos debochavam: "dona kedma, quanto tá custando um 'A'?". na única aula dela que eu lembro de ter assistido (a criatura faltava mais do que ia), botou uma aluna que tinha boa caligrafia pra passar trechos de um capítulo de livro didático para o quadro. enquanto a turma copiava, a professora nos interrogava sobre nossas pretenções profissionais. lembro de ter dito que seria hippie. não devia ter abandonado meus planos, ganha-se mais vendendo pulseirinha na feira de ipanema que dando aula de história na rede estadual de ensino! he,he,he!
Anna, mijei de rir aqui com a hitória do mercado clandestino de notas. huahauhau Tá muito longe da realidade, não. hahaha
ehehe
eu já li terra sonâmbula. é bom sim. o que ele faz com o português (a língua) é muito legal.
também acho que vai rolar um esquema desses de nota. mas como sou muito escroto, eu não daria nota alta pra ninguém. comigo, só passariam com 5.
anna, você nos anos 60?
aquele cara, de terno, que vende amendoim em laranjeiras (?) ganha uns 3 mil por mês.
mas eu gostei disso ai, da professora trocar nota por melhoria na escola. :)
falando nisso; érica, tô com uns livros didáticos de história aqui pra jogar fora - vai querer?
Vou! =) Obrigada.
pois é, nasci em 1955. em 69 tinha catorze anos e estava cursando o quarto ano ginasial. nesta época eu alimentava a fantasia de seguir de carona até arembepe, assim que completasse 18 e meus pais não tivessem mais poder sobre mim. antes disso, iniciei o curso clássico e me apaixonei por um militante do partidão que presidia o grêmio clandestino do colégio rivadávia corrêa. por volta de 1973 fugimos os dois para a região do araguaia, onde só consegui fazer germinar um broto de feijão plantado no algodão molhado. vivíamos da mesada do partido. eu cuidava da casa, do filho (camilo, que pari em 26 de julho de 1973) e cozinhava (muito mal) para os camaradas do acampamento. vladmir, meu companheiro, colhia laranja e dava uns tirinhos de vez em quando. com o fim da guerrilha vladmir foi mandado para a união soviética, onde freqüentou o instituto internacional de ciências sociais, de moscou. deixei que levasse o pequeno camilo, pois acreditava que ele estaria mais seguro por lá. em 88 os dois se mudaram para berlim oriental, camilo saiu de casa, tornou-se artista performático e montou uma banda new ave chamada "mikhailnaperestroika". desde então nem eu nem o pai tivemos mais notícias do menino. vladmir aposentou-se como professor universitário e está
casado uma imigrante turca clandestina, vinte e cinco anos mais nova que ele.
eu agora estou aqui, às vésperas dos meus 52 anos, pesando 72 quilos, lecionando numa escola pública da baixada fluminense (quando voltei do araguaia cursei história no ifics enquanto trabalhava em meio espediente numa papelaria do centro da cidade) e contando os dias para minha aposentadoria. quero não ter mais que sair do meu quarto e sala empoeirado na praça da cruz vermelha, onde vivo enterrada em livros didáticos, folhetos amarelados do antigo partidão, um punhado de postais que por algum tempo recebi dos antigos amigos exilados, minha coleção de vinis de mercedes soza e pablo milanés, e dois gatos ciameses castrados (vicentinho e antônio ermínio - pra não neutralizar a luta de classes).
foi mal aí ericota, é que a gripe e o inferno astral (resquício das crenças do tempo de hippie) estão afetando meu cérebro. passado o dia 12, eu melhoro. assim espero. bjcas!
ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
e ai, vamos atualizar?
oi querida, adorei a homenagem no fotolog, mas não posso postar comentário lá, então tô agradecendo aqui. gosto do fato da imagem ser diúrna e de eu estar tomando água de coco, tem tudo haver com meu espírito atual, você não acha? uma yôga balzaquiana com problemas de estômago. tenho que me libertar do velho discurso etílico, que no fim das contas é puro papo furado. eu já não bebia há quase um mês: uma noite de farra, três dias de ressaca (um por década de vida). vou tentar recuperar forças pro seu aniversário, baby. bjs!
valeu por sua presença também, thiago. espero que tenha conseguido se divertir, e que tenha gostado dos nossos. só gente boa, eu garanto! bjs e até a próxima.
Tá natureba porque as imagens enganam. hehe A gente sabe que aquela imagem foi tirada de manhã depois da noite na farra.
Ma eu achei bonita.
Beijos, mulher!
Thiago, tenho um texto mixuruca no meu outro blog que escrevi dia 30 de Setembro. Óbvio que precisa de alguns ajustes, mas vou postar para dar uma atualizada nesse. E quanto mais eu vivo, menos eu escrevo. =|
gostei dessa sentença! embora não seja o momento mais apropriado pra eu me fiar nela...
oi anna!
gostei sim! chato que ainda engatinho nisso de extroversão com tantos desconhecidos X)
até a próxima!
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