sábado, 5 de janeiro de 2008

Afonso Henriques Lima Barreto

Ando tonta, nauseada, enjoada. Tropeço. Ando devagar porque me sinto uma barata intoxicada. Gosto de morte na boca. Me desculpe este texto em primeira pessoa. Esse tom confessional. Falta um cigarro, falta ser suave. Falta fumaça para que eu retome o fôlego para escrever. Vejo meus livros e tenho vontade de chorar compulsivamente. Nada me traz mais tristeza do que a sensação de que não os alcanço. Cansada.

Não sei escrever e gaguejo enquanto escrevo este texto. Queria ser menos roja que Clarice, ser lavanda. Ganhei Rayuela em espanhol, La liebre también. É um luxo, não? Toco, miro as cores, a textura do papel, a tipografia, o cheiro de celulose e aspiro os ácaros. Sufoco. Vomito todas as palavras que ingeri, soluço vírgulas, pontos e travessões e de vez em quando arroto um parágrafo inteiro.
Meu estômago dói, minha cabeça dói. Nada sai suave e ler já não consigo, escrever já não consigo. As letras caem violentamente uma a uma. Sonhar já não sei, desaprendi. Me pergunta se eu estou feliz. "Você está feliz?" "Estou feliz".
Quanto mais eu vivo, menos escrevo. Sinto saudade dos meus mortos. Não sou mais leitora. Me maltratam meus mortos, me sinto indigna e tão moribunda que minhas palavras saem assim mendicantes. Sem elegância. Não sou mais leitora, não escrevo mais. Não me peça para apurar nada. Eu só vomito palavras e choro enquanto escuto o estalar das teclas de plástico. Me sinto tão indigna das palavras que não abro um livro sequer há um mês. A idéia de tocá-los me deixa aos prantos. Isso tudo é uma bobagem para quem vê literatura como entretenimento. Eu queria um cigarro agora. Enquanto escrevo, transbordo pelas mãos, pelos olhos, pelo nariz. Coloco o dedo na minha ferida. E largar meu vício pelos livros é mais doloroso que largar 17 anos de tabagismo. Tenho medo de esquecê-los. Tenho medo da ignorância, do senso-comum, da superfície, da literatura como entretenimento. Seria tudo tão mais fácil, se num dia de sol, eu abrisse La liebre e desgustasse seu espanhol despretensiosamente.

Um dia tive uma crise de choro no metrô. Olhava para o vidro enegrecido e tive um impulso de perguntar para a moça que estava sentada ao meu lado se ela queria meu Faulkner de presente. Não tive coragem, fiquei na vontade. Não abri mais o Faulkner.

Para Lima Barreto, TH e Huguito.

30 comentários:

Anônimo disse...

érica,
também não consigo pegá-los - principalmente os hermanos. seria uma trégua? o fato é que alguma coisa parece diferente e não sei dizer o que é. mas há alguma coisa atraente em não escrever, mas apenas ter a sensação de que se está escrevendo. entende?

talvez depois de vômitos e ressacas venha o silêncio. aproveite.

anna,
me disseram que talvez possa encontrar a revista na xerox do bloco b ou na secretaria da pós.

O Nome da Rosa disse...

Th,

Bóra ver na quarta "O amor nos tempos do Cólera"? Na Zona Sul =D.

Hein?

Chamei o Hugo.

Ps. O filme tem trilha sonora da Shakira. rs

Anônimo disse...

oi querida, comecei a comentar seu texto aqui, mas como acabei me excedendo (como sempre), resolvi enviar o comentário por e-mail. dá uma olhadinha lá. amanhã nós conversamos com calma. bjs.

Anônimo disse...

oi thiago, valeu pela informação! quando eu tiver tempo e disposição dou um pulo em niterói. eu até acho um passeio agradável, he, he.
bjs.

Diego disse...

texto lindo de morrer.

Anônimo disse...

"Especificamente,não tem mais certeza de que as pessoas sempre melhoram com o que lêem. Além disso, não tem mais certeza de que os escritores que se aventuram nos territórios mais sombrios da alma voltem sempre incólumes. Começou a pensar se escrever o que se quer, da mesma forma que ler o que se quer, é uma coisa boa."

(Elizabeth Costello, por J.M. Coetzee)

ps: acabei de ler isto no ônibus.

Anônimo disse...

e se escreve o que se quer? =D

O Nome da Rosa disse...

Diego Giesel já visitou o meu perfil no orkut. Que nome hein rs.

Obrigado pelo comentário. =)

Anna,
eu sei que estou insuportável...eu to numa crise de abstinência fudida e o mundo está preto e branco e triste. Porra, a merda é passar o resto das minhas férias bem humorada desse jeito.

Acho que virarei uma eremita.

Th,
Dá para tornar esse texto bem mais literário, mas como estou sem cigarro, não escrevo mais até não sentir mais a falta dele.

O Nome da Rosa disse...

ObrigadA*

Anônimo disse...

considerando que você é o maior sensor de si mesmo, só não escreve o que não quer ver escrito. tudo bem. tem coisas que não são mesmo para serem ditas. é isso que a citação dá a entender, eu acho, que nem sempre é bom contar tudo.

Anônimo disse...

érica querida, não pense que me incomoda com isso. eu também, como você e o wander, não consigo ser algre o tempo inteiro. só gostaria de poder te dar respostas menos banais, mas ando tão rasa...

amo-te. (por enquanto isso te basta?)

bjs

Anônimo disse...

nesse caso, "C"ensor! foi mal, mas até que o erro funciona, metaforicamente. he,he...

Anônimo disse...

escreva sobre cigarro ao som de wander. dessa reunião só pode sair coisa boa =)

comentei que em poa cruzei com ele?

Anônimo disse...

"Nunca esquecerei que me tranquei uma semana entre quatro paredes à espera da maravilhosa força que deveria inspirar páginas imortais, mas o único fenômeno que tal enclausuramento provocou foi uma violenta intoxicação tabagística e, cansado de bancar o ermitão, corri para a rua em busca de vida."

(Trecho do conto "Escritor fracasado" - Roberto Arlt)

Anônimo disse...

fracassado, ôxe!

Anônimo disse...

anna, vc tem esse conto?
=)

Anônimo disse...

não exatamente. na semana passada eu encontrei “as feras” entre os livros do bruno e resolvi ler este conto, que me chamou atenção pelo titulo. enfim, o livro não é meu, mas posso tirar xérox pra você, se interessar.

Anônimo disse...

hummmmmmmmmmmmmmmmmmmmm. anna, me senti tentado a pedir que sim; mas vou recusar; tenho de rodar o leme para evitar os icebergeres.

=)

e a nossa carmem miranda? a érica sugeriu outro também. sessão dupla!

Anônimo disse...

"icebergueres" shsh

Anônimo disse...

pô, o dvd de casa deu pau de novo. na verdade já chegou da oficina quebrado. então se for pra ser aqui alguém vai ter que trazer o aparelho. quem se habilita?

O Nome da Rosa disse...

Proponho que seja na casa do Thiago. hahaha

Anônimo disse...

ahahaahah. pode ser.
anna, vamos com a gente na quinta na lapa \o/

Anônimo disse...

vou tentar dar uma passada pra ver vocês, mas não posso me perder por lá (isso significa não beber e voltar pra casa cedo). até abril ou maio vou estar no mundo pela metade. bjs e até.

Anônimo disse...

oi crianças, eu estava aqui na solidão da escrita, também lendo um pouco para a tese, e de repente comecei a pensar, por causa de umas coisas que li, no trabalho do thiago sobre mia couto e carpentier (acho que sua monografia, é isso?). então, tenho me informado melhor a respeito dos movimentos literários de negritude no caribe e antilhas na primeira metade do século passado. pelo que já consegui entender, esses movimentos surgiram sob influência das vanguardas européias – principalmente pelo surrealismo com sua crítica à ortodoxia ocidental e valorização da arte “primitiva”. um deles foi mesmo criado em paris, por três intelectuais de colônias francesas (martinica, suriname e senegal) que estudavam na europa na década de 20. cuba desenvolveu seu próprio “negrismo” e essa tendência a evocar os signos africanos e construir uma sensibilidade, um pensamento e uma estética não-ocidentais deve ter marcado a escrita dos autores preocupados em consolidar a literatura vernácula. carpentier com certeza foi influenciado por isso. sua primeira novela chama-se “écue-yamba-ó” (expressão lucumí – língua yoruba como é falada em cuba e nos estados unidos - que significa “dios, loado seas”) e no prefácio ele admite a intenção vanguardista, e a evocação da negritude como distintivo local. eu também acredito que nomear seus romances de “o recurso do método” e “o século das luzes” é uma forma irônica de indicar que o conteúdo desconstrói o discurso civilizatório e a própria razão do colonizador ou mostrar o que canclini (de acordo com a associação feita pela érica) chama de “modernismo sem modernização” (condição das sociedades periféricas). no que diz respeito ao mia couto e à áfrica, li que o discurso pan-africanista e as lutas de descolonização se formaram em paralelo e em inter-relação com os movimentos negros da américa, e que esta necessidade de afirmar um olhar africano e apropriar-se de uma cognição tradicional (lá chamada de “africanismo” ou “afrocentrismo”) também moveu boa parte da intelectualidade engajada naquele continente. enfim, creio que o realismo maravilhoso (o do carpentier pelo menos) é muito mais negro que indígena; muito mais político que mitológico, além de histórico e intencional. Isso sem contar com a questão das línguas e das culturas crioulas, mas esse papo vai ter que ficar pra depois, he, he, he.
bjs.

O Nome da Rosa disse...

Aí, Anna, a sua ponte para o pós-doc!

Acho que esse negócio de trabalhar o realismo maravilhoso por uma perspectiva política não faz muito o tipo do Thiago. hehe

O Nome da Rosa disse...

“o recurso do método” ...Engraçado isso, mas o Carpentier não ficou em cuba...Foi para Paris...Isso é irônico tb, não?

O Nome da Rosa disse...

Aliás, eu vi esse livro lá em teresópolis, na casa da Meca.

O Nome da Rosa disse...

Aliás, Th manda um texto para atualizar esse blog.

=*

Anônimo disse...

teste. câmbio.

Anônimo disse...

porra, tinha escrito um comentário sobre o texto da anna e te respondendo, mas fui boicotado pelo blogspot. tsc.