procurou na mochila, na gaveta da cômoda, vasculhou a sala, o corredor, foi encontrar na geladeira o maço: vazio. a namorada o esperava no banho enquanto a porta lhe atraía, fundia no olhar o escape.
malmequer-bemequer-malmequer-bememerda de isqueiro, falhar logo agora, assim mesmo que ele não vem, que demora, o chuveiro aberto, a água fria que espanta o corpo, essa dor logo agora, respiração suspensa, bemebemeb.
os dedos ainda enrugados, a toalha enrolada no corpo, um último malboro vermelho pendurado na boca, graças ao velho hábito providencial de guardar três por maço, interrompendo a ansiedade imposta pela companhia da máquina de escrever na madrugada.
taquetaque: o inverno que lhe cobria o espírito era uma metáfora detestável, apesar de defini-lo com precisão, acostumado que ficou à rigidez lançada pelas palavras sobre si taquetaque: deixou-se levar por imagens que não eram pensamentos, uma adormência emergia, como escrever de olhos abertos no escuro taquetaque: introspecção ininterrupta, taquetaque: o sono e o fim da folha - isolamento compartilhado com ninguém, real.
tenho pressa no amor, não consigo comunhar comigo mesma, e assim não tenho tempo para quem quer que seja, que apareça de relance sem mudar nada. o malboro vermelho ainda não aceso descansa no cinzeiro. a vida se volta contra, inflige o mais pesar dos castigos se dela hesitamos em algum ponto, ou cremos inocentes que se pode seguir sem. o mesmo cheiro está no meu nariz, de corpo, de homem que não se mostra, decide por seu destino segundo antes e age como se soubera sempre de tudo antecipado, sua vacilação é apenas incremento, sua parcela de contribuição à coisa. eu o sentia tão perto que seu odor, agora, me sufocava, obrigando a me levantar, ir à janela acender o cigarro. a fumaça dissipou o cheiro e pude respirar novamente.
abriu a cortina do box: ela estava sentada no chão enquanto um filete dágua escorria do chuveiro: mais do que prostrada ali, reparou que suas mãos seguravam um isqueiro e murmurava num dialeto próprio: ela nem tinha notado sua presença, contrapondo tanta dedicação e fidelidade: era invisível aos olhos dos outros, menos aos dela, até esse momento
taquetaque: a porta ficou entreaberta, a luz das escadas ainda acesa, a sonoridade do boa-noite do porteiro se esvaindo, a marca invisível estampada na calçada, a funcionária da farmácia bradando com indignação, onde já se viu? o cara do bar sem troco, quando finalmente a chinesa, dona da pastelaria, compreende os gestos desesperados e lhe vende um avulso do próprio maço, mas no tëñö fogu, no tëñö fogu.
o telefone tá tocando, mas que diabos, quem ligaria? a essa hora? se for você, eu não atendo, mas como adivinhar? minha mediunidade travou desde aquilo, a tragédia fatal, tava tão evidente, como não pude prever, me desculpe me desculpe. desligaram. o cigarro tá quase no fim, últimas tragadas
Ps. As recomendações: escrever tudo em letras minúsculas e com o mínimo de pontos finais possível. Ele incentivando um cadáver a escrever, além da minha compulsão por cigarros. Cigarro + máquina de escrever...E quase nasce um conto urbano. Não sei fazer ficção.
Título original: Dueto - Muito mais TH que Yo
terça-feira, 31 de julho de 2007
segunda-feira, 23 de julho de 2007
Sobre a morte da arte
Os dias de tristeza se foram. Aqueles anos de melancolia em que se sentia como um côncavo em preto e branco de alguém que vislumbra o tedioso ir e vir das ondas do mar. Ela não era mais uma fotografia na parede.
A claridade daquelas manhãs de cinza machucava seus olhos noturnos e cansados das letras de algum romance doce. Depois de sentir a virtualidade do gosto ancestral de terra na boca de Rebeca ou identificar-se com a tristonha cicatriz na mão de Amaranta, ela finalmente havia se libertado do vazio de experiência em que consistia o hábito de ler.
A literatura de nada lhe servia a não ser para atrofiá-la entre as duas metades do livro. E presa àquele mundo ideal, sufocava. Era Madame Bovary e do ponto em que estava, mirava seu horizonte até a página 350. O romance que falava acerca de uma leitora de romances que sonhava em ter um amante como aquele que lia nos livros. A sua consciência acerca da solitária experiência burguesa não aliviava o peso de se saber morta.
Tinha repulsa por aquele círculo de cadáveres letrados que a rodeava. Gostava de arte, mas abominava os artistas da sua geração. Era uma gente culta, sofisticada, muito branca e cheia de amores mal resolvidos que não doíam. Era de uma intensidade que soava aos seus ouvidos mais como melodia em tons pastéis do que as notas em vermelho acrílico de um Blues. O amor era útil para simular o amor: era morno, incolor, inodoro; era matéria-prima a ser lapidada.
Fora criada entre o tilintar das taças de vinho branco das vernissages e exposições do Rio de Janeiro e a simplicidade do leite gordo, espumoso e suculento do interior de São Paulo.
Estrangeira, percebia-se como um hiato entre o tempo vagaroso de seus avós e a velocidade instantânea de seu tempo.
Imaginava Madame Bovary como uma personagem criada em tempos de internet: seu amante moraria do outro lado do mundo e provavelmente não apenas o hábito da leitura seria solitário. E na era da comunicação, nada ou quase nada existia para ser dito que não fosse em primeira pessoa.
Percebia a morte de um sonho coletivo de transformação que escapasse ao movimento centrífugo da arte em torno do próprio umbigo dos artistas.
Entre os desencontros de algum romance argentino e o cinismo daqueles egos que revolucionavam como os astros a literatura, ela preferia o silêncio. Se ao menos, algum desses escritores renunciasse ao mundo como Kafka, Borges ou Lima Barreto, estaria justificada tamanha afetação ao falar sobre si ou sobre Arte.
Tudo lhe parecia uma encenação num bar-cenário: a cadeira de madeira do bar, a cerveja quente sobre a mesa de mármore, o violão a tira colo, a descontração, os dois botões abertos da camisa listrada, a fala simples e mansa, um baseado, duas carreiras, o retrato de Pixinguinha na parede,Mil Platôs amarelados embaixo do braço e entre um gole e outro a confissão sobre o sofrimento que é escrever, da sua procura por isolamento e calma e de um projeto novo e ambicioso que está desenvolvendo.
Não sabia em que genêro encaixar aquela representação anacrônica e mal-acabada do flaneur. Entre a comédia e o drama, ela desejava um só defecho: a morte do escritor. Deslizou o zíper da bolsa de couro cru introduzindo sua mão no forro marrom, retirou um canivete suíço que ganhara no natal de 1997, escutou a marcação de seu pulso e num ato involuntário, cortou a garganta de seu interlocutor num só golpe. Com o rosto rubro pelo sangue do criador, ela finalmente pôde sorrir.
A claridade daquelas manhãs de cinza machucava seus olhos noturnos e cansados das letras de algum romance doce. Depois de sentir a virtualidade do gosto ancestral de terra na boca de Rebeca ou identificar-se com a tristonha cicatriz na mão de Amaranta, ela finalmente havia se libertado do vazio de experiência em que consistia o hábito de ler.
A literatura de nada lhe servia a não ser para atrofiá-la entre as duas metades do livro. E presa àquele mundo ideal, sufocava. Era Madame Bovary e do ponto em que estava, mirava seu horizonte até a página 350. O romance que falava acerca de uma leitora de romances que sonhava em ter um amante como aquele que lia nos livros. A sua consciência acerca da solitária experiência burguesa não aliviava o peso de se saber morta.
Tinha repulsa por aquele círculo de cadáveres letrados que a rodeava. Gostava de arte, mas abominava os artistas da sua geração. Era uma gente culta, sofisticada, muito branca e cheia de amores mal resolvidos que não doíam. Era de uma intensidade que soava aos seus ouvidos mais como melodia em tons pastéis do que as notas em vermelho acrílico de um Blues. O amor era útil para simular o amor: era morno, incolor, inodoro; era matéria-prima a ser lapidada.
Fora criada entre o tilintar das taças de vinho branco das vernissages e exposições do Rio de Janeiro e a simplicidade do leite gordo, espumoso e suculento do interior de São Paulo.
Estrangeira, percebia-se como um hiato entre o tempo vagaroso de seus avós e a velocidade instantânea de seu tempo.
Imaginava Madame Bovary como uma personagem criada em tempos de internet: seu amante moraria do outro lado do mundo e provavelmente não apenas o hábito da leitura seria solitário. E na era da comunicação, nada ou quase nada existia para ser dito que não fosse em primeira pessoa.
Percebia a morte de um sonho coletivo de transformação que escapasse ao movimento centrífugo da arte em torno do próprio umbigo dos artistas.
Entre os desencontros de algum romance argentino e o cinismo daqueles egos que revolucionavam como os astros a literatura, ela preferia o silêncio. Se ao menos, algum desses escritores renunciasse ao mundo como Kafka, Borges ou Lima Barreto, estaria justificada tamanha afetação ao falar sobre si ou sobre Arte.
Tudo lhe parecia uma encenação num bar-cenário: a cadeira de madeira do bar, a cerveja quente sobre a mesa de mármore, o violão a tira colo, a descontração, os dois botões abertos da camisa listrada, a fala simples e mansa, um baseado, duas carreiras, o retrato de Pixinguinha na parede,Mil Platôs amarelados embaixo do braço e entre um gole e outro a confissão sobre o sofrimento que é escrever, da sua procura por isolamento e calma e de um projeto novo e ambicioso que está desenvolvendo.
Não sabia em que genêro encaixar aquela representação anacrônica e mal-acabada do flaneur. Entre a comédia e o drama, ela desejava um só defecho: a morte do escritor. Deslizou o zíper da bolsa de couro cru introduzindo sua mão no forro marrom, retirou um canivete suíço que ganhara no natal de 1997, escutou a marcação de seu pulso e num ato involuntário, cortou a garganta de seu interlocutor num só golpe. Com o rosto rubro pelo sangue do criador, ela finalmente pôde sorrir.
domingo, 22 de julho de 2007
Publicação do texto de OTT
V
Apaga a lamparina . Junto á janela está uma poltrona de veludo coçado, amarelo-dourado, costas altas e braços arredondados. Afunda-se nela com as molas a ranger ameaçando furar o pano – bem as sentia, espetadas, ao fundo das costas. Puxou para sí uma pequena mesa retangular, com tampo de mármore e um minusculo cinzeiro de prata em cima. Alguns raios de sol penetram através de uma estreita fenda da janela entreaberta e perfuram a penumbra como um laser, fazendo bailar uma miríade de particulas de pó. Um caleidiscópio - pensou . Em criança, este fenómeno parecia-lhe coisa de cinema, uma lâmpada mágica. Nas férias de verão, na aldeia, em casa dos avós, acordava muitas vezes com esses raios de sol a bater-lhe na cara, vindos das muitas fendas existentes no telhado de telhas soltas – a todo o momento esperava ver saltar à sua volta gnomos, duendes e fadas. Uma baforada de fumo em circulos concêntricos invadiu o feixe de luz e trouxe-o à realidade – esmaga o cigarro bruscamente na prata enegrecida do cinzeiro – tem de perder este hábito de sair da cama já com o cigarro nos beiços. Levanta-se e espreguiça-se, sentindo ainda uma leve dor latejante nas têmporas. Nada que uma chávena de café quente , preto e espesso não resolva. Caminhou para a cozinha através do corredor, com os pés nus acariciando a madeira velha, rugosa, do soalho. Lá está em cima da banca, ligada á tomada, uma cafeteira de balão de vidro e filtro de papel. Não será a mesma coisa que um café expresso bem tirado, mas por agora terá que servir. Lá de fora chega-lhe um ruido urbano de carros e conversas de vendedores. Sente-se contente, chegou à cidade poucas horas antes e num golpe de sorte tinha conseguido encontrar o sítio ideal, perto daquilo que procura, ainda por cima relativamente barato. Não era pelo dinheiro, mas era necessário um lugar sossegado, perto do centro mas discreto. Fora uma coincidência extraordinária o homem do taxi, que o transportara desde o aeroporto, conhecer aquela casa e o seu proprietário , ainda mais acordado aquela hora da madrugada. Passar no bar do dono, combinar com ele e receber a chave, foi relativamente fácil, apenas lhe custou alguns gins tónico, muitos cigarros e uma grande dor de cabeça. E agora ali estava. Claro que não tinha o conforto dos muitos hoteis em que já tinha estado, era um 2º andar de uma casa velha, desconfortável e anacrónica, que parecia não ser habitada hà muitos anos. Para lá chegar era necessário subir uma escada íngreme de madeira gasta, em caracol largo, com um corrimão de madeira escura, polida, que volteava em direcção ao desconhecido. Quando a subiu a primeira vez a meio da noite, apenas com uma luz débil, amarela e suja, por um momento sentiu-se num filme do Hitchcock, Vertigo, talvez. . Mas agora parecia-lhe estranhamente familiar, uma sensação de nostalgia invadiu-o desde o primeiro momento. Enquanto saboreia o café, acompanhado de mais um cigarro, puxa a persiana emperrada e olha pela janela: lá está o rio ao fundo, seguindo calmamente as suas margens tranquilas. Visto daqui, da parte velha da cidade, com o casario de permeio, as chaminés e os terraços, nada parece mudado. O centro histórico foi preservado. Apenas ao longe do outro lado do rio, na margem esquerda, três torres gigantescas evocam o presente e que muitos anos se passaram desde a última vez que tinha olhado aquela paisagem e o rio - o seu Mississippi. O zumbido do telefone móvel sobressalta-o: - Ok. estarei na rua dentro de 15 minutos, o plano segue conforme o combinado!
Apaga a lamparina . Junto á janela está uma poltrona de veludo coçado, amarelo-dourado, costas altas e braços arredondados. Afunda-se nela com as molas a ranger ameaçando furar o pano – bem as sentia, espetadas, ao fundo das costas. Puxou para sí uma pequena mesa retangular, com tampo de mármore e um minusculo cinzeiro de prata em cima. Alguns raios de sol penetram através de uma estreita fenda da janela entreaberta e perfuram a penumbra como um laser, fazendo bailar uma miríade de particulas de pó. Um caleidiscópio - pensou . Em criança, este fenómeno parecia-lhe coisa de cinema, uma lâmpada mágica. Nas férias de verão, na aldeia, em casa dos avós, acordava muitas vezes com esses raios de sol a bater-lhe na cara, vindos das muitas fendas existentes no telhado de telhas soltas – a todo o momento esperava ver saltar à sua volta gnomos, duendes e fadas. Uma baforada de fumo em circulos concêntricos invadiu o feixe de luz e trouxe-o à realidade – esmaga o cigarro bruscamente na prata enegrecida do cinzeiro – tem de perder este hábito de sair da cama já com o cigarro nos beiços. Levanta-se e espreguiça-se, sentindo ainda uma leve dor latejante nas têmporas. Nada que uma chávena de café quente , preto e espesso não resolva. Caminhou para a cozinha através do corredor, com os pés nus acariciando a madeira velha, rugosa, do soalho. Lá está em cima da banca, ligada á tomada, uma cafeteira de balão de vidro e filtro de papel. Não será a mesma coisa que um café expresso bem tirado, mas por agora terá que servir. Lá de fora chega-lhe um ruido urbano de carros e conversas de vendedores. Sente-se contente, chegou à cidade poucas horas antes e num golpe de sorte tinha conseguido encontrar o sítio ideal, perto daquilo que procura, ainda por cima relativamente barato. Não era pelo dinheiro, mas era necessário um lugar sossegado, perto do centro mas discreto. Fora uma coincidência extraordinária o homem do taxi, que o transportara desde o aeroporto, conhecer aquela casa e o seu proprietário , ainda mais acordado aquela hora da madrugada. Passar no bar do dono, combinar com ele e receber a chave, foi relativamente fácil, apenas lhe custou alguns gins tónico, muitos cigarros e uma grande dor de cabeça. E agora ali estava. Claro que não tinha o conforto dos muitos hoteis em que já tinha estado, era um 2º andar de uma casa velha, desconfortável e anacrónica, que parecia não ser habitada hà muitos anos. Para lá chegar era necessário subir uma escada íngreme de madeira gasta, em caracol largo, com um corrimão de madeira escura, polida, que volteava em direcção ao desconhecido. Quando a subiu a primeira vez a meio da noite, apenas com uma luz débil, amarela e suja, por um momento sentiu-se num filme do Hitchcock, Vertigo, talvez. . Mas agora parecia-lhe estranhamente familiar, uma sensação de nostalgia invadiu-o desde o primeiro momento. Enquanto saboreia o café, acompanhado de mais um cigarro, puxa a persiana emperrada e olha pela janela: lá está o rio ao fundo, seguindo calmamente as suas margens tranquilas. Visto daqui, da parte velha da cidade, com o casario de permeio, as chaminés e os terraços, nada parece mudado. O centro histórico foi preservado. Apenas ao longe do outro lado do rio, na margem esquerda, três torres gigantescas evocam o presente e que muitos anos se passaram desde a última vez que tinha olhado aquela paisagem e o rio - o seu Mississippi. O zumbido do telefone móvel sobressalta-o: - Ok. estarei na rua dentro de 15 minutos, o plano segue conforme o combinado!
sexta-feira, 13 de julho de 2007
Cotidiano
Acendeu um cigarro na Rua das Flores, chegou até a escadaria do metrô e parou até que o cigarro acabasse. Ele encostou aquela barba fina no seu rosto e deu-lhe um beijo. Quente. Ela desceu as escadarias com passos apressados, segurando uma pasta verde de plástico transparente brilhante. E tal qual uma tartaruga, levava uma mochila pesada nas costas.
Um duplo, por favor. Atravessou a roleta, o vão entre o trem e a plataforma e acomodou-se em uma cadeira lateral no canto do vagão. Dublinenses para distrair a viagem. Não viu muita diferença entre as paisagens correntes na janela e a descrita por Joyce acerca dos pobres da Irlanda no início do século XX. Dublin era quase o Rio de Janeiro em O Cortiço.
A sua tendência era a de grafar todas a palavras que não conhecia com um asterisco, a lápis. E pensava na destreza do tradutor em encontrar palavras em português análogas às originais em inglês. Lembrou da tradução de Ulisses de Houaiss. Que lástima!
Depois de seis estações, entediou-se com Joyce. Lembrou do rosto quente pela manhã e do ranger da cama de móbile. Pensou: "Até a estação de Vicente de Carvalho são 20 minutos." Com a pasta em seu colo, ela criava dezenas de formas, pressionando com dedos o reflexo da luz do vagão sobre o plástico macio da pasta.
Na estação de Irajá entrou um rapaz que usava brincos nas duas orelhas, vestia uma camisa de linho branca e calça de brim de mesma cor. Sentou-se na cadeira em frente à sua e retirou de uma bolsa preta um livro de Stephen King.
Ao seu lado, sentou-se uma moça pálida. Ela usava vestido e meia-calça azul royal. A moça tinha mãos delicadas e pequeninas, de unhas rentes à carne e usava um esmalte cor de pele, cuja invisibilidade contrastava com as matizes da sua roupa. Aquela moça era quase um espectro vestindo azul. Abriu um livrinho em francês com uma ilustração bem-humorada na qual um menino segurava um buquê de flores maior que seu corpo.
A moça do vestido azul royal, como ela, também grifava algumas palavras a lápis. Na cadeira à sua frente, estava sentada uma senhora negra, robusta, que lia atentamente um livrinho de capa cinza: o antigo testamento.
Na solidão daquele vagão onde circulavam os ecos de Joyce, Stephen King e Jesus Cristo, de vez em quando, ela se deparava com o reflexo iluminado das lentes do seu óculos de grau no vidro enegrecido do metrô.
Feliz, entrelaçava as imagens dos bêbados do centro de Dublin com o cheiro do seu quarto às cinco horas da manhã. Transpiravam o aroma da primeira fornalha de pão que subia pelos galhos da árvore abaixo da sua janela enquanto as quatro paredes que os cercavam ganhavam cor na medida em que o dia amanhecia. Os cheiros, gostos e sons misturavam-se e como uma reação alquímica ao abafamento do ambiente, ganharam contornos, condensando-se numa intersecção de sombras azuladas no final do dia.
Sentido/to Saens Peña. Subiu as escadarias, comprou dois maços de cigarro na banca de jornal, passou pela Rua das Flores. Em casa.
Um duplo, por favor. Atravessou a roleta, o vão entre o trem e a plataforma e acomodou-se em uma cadeira lateral no canto do vagão. Dublinenses para distrair a viagem. Não viu muita diferença entre as paisagens correntes na janela e a descrita por Joyce acerca dos pobres da Irlanda no início do século XX. Dublin era quase o Rio de Janeiro em O Cortiço.
A sua tendência era a de grafar todas a palavras que não conhecia com um asterisco, a lápis. E pensava na destreza do tradutor em encontrar palavras em português análogas às originais em inglês. Lembrou da tradução de Ulisses de Houaiss. Que lástima!
Depois de seis estações, entediou-se com Joyce. Lembrou do rosto quente pela manhã e do ranger da cama de móbile. Pensou: "Até a estação de Vicente de Carvalho são 20 minutos." Com a pasta em seu colo, ela criava dezenas de formas, pressionando com dedos o reflexo da luz do vagão sobre o plástico macio da pasta.
Na estação de Irajá entrou um rapaz que usava brincos nas duas orelhas, vestia uma camisa de linho branca e calça de brim de mesma cor. Sentou-se na cadeira em frente à sua e retirou de uma bolsa preta um livro de Stephen King.
Ao seu lado, sentou-se uma moça pálida. Ela usava vestido e meia-calça azul royal. A moça tinha mãos delicadas e pequeninas, de unhas rentes à carne e usava um esmalte cor de pele, cuja invisibilidade contrastava com as matizes da sua roupa. Aquela moça era quase um espectro vestindo azul. Abriu um livrinho em francês com uma ilustração bem-humorada na qual um menino segurava um buquê de flores maior que seu corpo.
A moça do vestido azul royal, como ela, também grifava algumas palavras a lápis. Na cadeira à sua frente, estava sentada uma senhora negra, robusta, que lia atentamente um livrinho de capa cinza: o antigo testamento.
Na solidão daquele vagão onde circulavam os ecos de Joyce, Stephen King e Jesus Cristo, de vez em quando, ela se deparava com o reflexo iluminado das lentes do seu óculos de grau no vidro enegrecido do metrô.
Feliz, entrelaçava as imagens dos bêbados do centro de Dublin com o cheiro do seu quarto às cinco horas da manhã. Transpiravam o aroma da primeira fornalha de pão que subia pelos galhos da árvore abaixo da sua janela enquanto as quatro paredes que os cercavam ganhavam cor na medida em que o dia amanhecia. Os cheiros, gostos e sons misturavam-se e como uma reação alquímica ao abafamento do ambiente, ganharam contornos, condensando-se numa intersecção de sombras azuladas no final do dia.
Sentido/to Saens Peña. Subiu as escadarias, comprou dois maços de cigarro na banca de jornal, passou pela Rua das Flores. Em casa.
quarta-feira, 11 de julho de 2007
Texto da minha amiga anônima que é a melhor pessoa para conversar sobre literatura num botequim pé sujo que eu conheço
Porque ler os clássicos
Acho que estou lendo romances demais! O pior é que essa seqüência batida de crise existencial, niilismo e melancolia já não dá caldo há muito tempo. Nunca me convenceu. Todo dia quando pego o trem pra trabalhar penso: “se liga criatura, fica esperta, a vida é muito mais rápida que você!”. Ontem ouvi uma amiga enumerar “as boas razões para ler os clássicos”. Não consegui reconhecer motivo melhor que a fruição, o encantamento. Minha amiga tem muito mais profundidade que eu, enxerga detalhes sutis, tira conclusões brilhantes. Eu normalmente recuo diante do incômodo de carregar um livro de 500 páginas para ler no trem, por isso reservo os clássicos para minha aposentadoria.
A professorinha se apressa ao ouvir a chamada de embarque do trem das 17:34. “Plataforma 12 linha M”, alguém anuncia pelos alto-falantes. Ela corre com cautela, temendo que o solado liso da sapatilha a faça escorregar no ladrilho. Por pouco não é atropelada por uma multidão afoita. Entra no vagão destinado às mulheres, porque é o primeiro e porque é um pouco mais vazio que os mistos, daí a vaga possibilidade de conseguir viajar sentada. Expectativa frustrada. As outras são sempre mais ágeis que ela. O temperamento tímido e o peso dos livros limitam seus movimentos. Suspira com desânimo e procura ajeitar-se num canto distante da porta. Ali pode se segurar e proteger-se do fluxo de passageiras que vão entrar e sair nas próximas estações (mais entrar do que sair).
Conformada em ter que passar quase uma hora sacolejando e sentindo um cheiro ruim de borracha queimada que ninguém sabe dizer de onde vem, pega um dos livros da mochila e tenta mantê-lo erguido na frente do rosto usando apenas uma das mãos (a outra está ocupada em garantir o equilíbrio de seu corpo). Faz isso muito desajeitadamente. As páginas só podem ser viradas quando o trem para nas estações, ou, a muito custo, com a ajuda do polegar. Tudo bem, o que se lê não é digerido em pouco tempo mesmo, exige respiração longa, concentração, reflexão. A cabeça da professora dói um pouco. É difícil absorver-se com todo aquele ruído, e a luz é muito fraca.
Neste momento diz para si mesma, chamando-se pelo primeiro nome, que tem que tomar o exemplo dos que encaram a vida sem choramingar. Pensa que ela parece ser a única com ar de lamúria naquele vagão. Volta atrás: “essa droga de viajem esgota qualquer cristão, mais ainda os de pouca fé”. Quando enfim a leitura “pega no tranco”, o conteúdo do livro se choca violentamente com o que acontece a sua volta. “A vida simpática de intelectuais notívagos na Paris dos anos sessenta” ou “Aventuras sexuais chamadas de experiências existenciais por uma escritora-mulher-do-sexo-feminino” têm suas frases cortadas por pedaços de conversa sobre a preguiça de fazer o jantar pro marido que não gosta de comida requentada. “Trabalhei muito hoje, por mim esquentava o arroz e fritava um ovo”. “Eu estou ensinando o fulano a cozinhar, se não aprender, que jante na casa da mãe dele”.
Do outro lado do vagão, o alvoroço em torno de uma partida de sueca. Todas as tardes a turma do carteado se reúne no mesmo lugar. No terminal ferroviário, os homens entram no vagão misto. Quando o trem para na estação seguinte, onde não tem segurança controlando, passam pro carro feminino e iniciam o jogo com as mulheres que ficaram guardando seus lugares.
Depois de tantas viagens, os palavrões não impressionam mais a professora, mas esvaziam seu interesse pelos intelectuais franceses. Ela observa as pessoas, reconhece, em palavras e gestos, semelhanças com seus alunos do ensino noturno. Olha com distanciamento. Sente-se estranha a tudo aquilo. Pensa em escrever sobre isso. “Bobagem!”, reage, “também fiz supletivo e sempre tenho preguiça de cozinhar à noite”. Assusta-se com o que a universidade lhe fez. Se tivesse parado no colegial hoje seria balconista no comércio do centro da cidade e voltaria pra casa todos os dias lendo a “Revista dos Famosos”, segundo lugar no ranking de best seller do trem, depois do “Jornal Popular” e antes da “Bíblia Sagrada”.
Então lembra do dia em que saiu de casa mais cedo e conseguiu viajar sentada, de frente pra uma senhora que lia um romance muito respeitado na literatura nacional. Um livro consagrado que já merecera uma dúzia de edições de bolso impressas em papel-jornal (baratas e levíssimas!). Por coincidência estava relendo o mesmo livro. Teve vontade de puxar assunto com sua cúmplice, saber o que ela achava da história, mas não teve coragem de interromper a leitura alheia. Segurou seu exemplar na altura dos ombros na esperança que a outra passasse os olhos pelo título em um momento de distração. Também não funcionou. Neste instante desejou livrar-se da mania feia de xeretar o que as pessoas lêem no trem, evitar enfiar a cara com indiscrição nas letras dos outros. Às vezes quase cai se contorcendo para ver as capas: romances espíritas, manuais de boa conduta em entrevistas de emprego, folhetos evangélicos, um ensaio sociológico com o carimbo da biblioteca da universidade onde estuda, “com certeza um aluno bolsista como eu...”.
Acorda de seus pensamentos quando percebe que a próxima estação é a sua, “atenção ao vão entre o trem e a plataforma!”, alerta a voz dos alto-falantes. Só então guarda o livro, desce do carro, e volta a correr pra pegar o ônibus que vai deixá-la, atrasada, na porta da escola onde trabalha tentando convencer da importância de ler os clássicos.
Acho que estou lendo romances demais! O pior é que essa seqüência batida de crise existencial, niilismo e melancolia já não dá caldo há muito tempo. Nunca me convenceu. Todo dia quando pego o trem pra trabalhar penso: “se liga criatura, fica esperta, a vida é muito mais rápida que você!”. Ontem ouvi uma amiga enumerar “as boas razões para ler os clássicos”. Não consegui reconhecer motivo melhor que a fruição, o encantamento. Minha amiga tem muito mais profundidade que eu, enxerga detalhes sutis, tira conclusões brilhantes. Eu normalmente recuo diante do incômodo de carregar um livro de 500 páginas para ler no trem, por isso reservo os clássicos para minha aposentadoria.
A professorinha se apressa ao ouvir a chamada de embarque do trem das 17:34. “Plataforma 12 linha M”, alguém anuncia pelos alto-falantes. Ela corre com cautela, temendo que o solado liso da sapatilha a faça escorregar no ladrilho. Por pouco não é atropelada por uma multidão afoita. Entra no vagão destinado às mulheres, porque é o primeiro e porque é um pouco mais vazio que os mistos, daí a vaga possibilidade de conseguir viajar sentada. Expectativa frustrada. As outras são sempre mais ágeis que ela. O temperamento tímido e o peso dos livros limitam seus movimentos. Suspira com desânimo e procura ajeitar-se num canto distante da porta. Ali pode se segurar e proteger-se do fluxo de passageiras que vão entrar e sair nas próximas estações (mais entrar do que sair).
Conformada em ter que passar quase uma hora sacolejando e sentindo um cheiro ruim de borracha queimada que ninguém sabe dizer de onde vem, pega um dos livros da mochila e tenta mantê-lo erguido na frente do rosto usando apenas uma das mãos (a outra está ocupada em garantir o equilíbrio de seu corpo). Faz isso muito desajeitadamente. As páginas só podem ser viradas quando o trem para nas estações, ou, a muito custo, com a ajuda do polegar. Tudo bem, o que se lê não é digerido em pouco tempo mesmo, exige respiração longa, concentração, reflexão. A cabeça da professora dói um pouco. É difícil absorver-se com todo aquele ruído, e a luz é muito fraca.
Neste momento diz para si mesma, chamando-se pelo primeiro nome, que tem que tomar o exemplo dos que encaram a vida sem choramingar. Pensa que ela parece ser a única com ar de lamúria naquele vagão. Volta atrás: “essa droga de viajem esgota qualquer cristão, mais ainda os de pouca fé”. Quando enfim a leitura “pega no tranco”, o conteúdo do livro se choca violentamente com o que acontece a sua volta. “A vida simpática de intelectuais notívagos na Paris dos anos sessenta” ou “Aventuras sexuais chamadas de experiências existenciais por uma escritora-mulher-do-sexo-feminino” têm suas frases cortadas por pedaços de conversa sobre a preguiça de fazer o jantar pro marido que não gosta de comida requentada. “Trabalhei muito hoje, por mim esquentava o arroz e fritava um ovo”. “Eu estou ensinando o fulano a cozinhar, se não aprender, que jante na casa da mãe dele”.
Do outro lado do vagão, o alvoroço em torno de uma partida de sueca. Todas as tardes a turma do carteado se reúne no mesmo lugar. No terminal ferroviário, os homens entram no vagão misto. Quando o trem para na estação seguinte, onde não tem segurança controlando, passam pro carro feminino e iniciam o jogo com as mulheres que ficaram guardando seus lugares.
Depois de tantas viagens, os palavrões não impressionam mais a professora, mas esvaziam seu interesse pelos intelectuais franceses. Ela observa as pessoas, reconhece, em palavras e gestos, semelhanças com seus alunos do ensino noturno. Olha com distanciamento. Sente-se estranha a tudo aquilo. Pensa em escrever sobre isso. “Bobagem!”, reage, “também fiz supletivo e sempre tenho preguiça de cozinhar à noite”. Assusta-se com o que a universidade lhe fez. Se tivesse parado no colegial hoje seria balconista no comércio do centro da cidade e voltaria pra casa todos os dias lendo a “Revista dos Famosos”, segundo lugar no ranking de best seller do trem, depois do “Jornal Popular” e antes da “Bíblia Sagrada”.
Então lembra do dia em que saiu de casa mais cedo e conseguiu viajar sentada, de frente pra uma senhora que lia um romance muito respeitado na literatura nacional. Um livro consagrado que já merecera uma dúzia de edições de bolso impressas em papel-jornal (baratas e levíssimas!). Por coincidência estava relendo o mesmo livro. Teve vontade de puxar assunto com sua cúmplice, saber o que ela achava da história, mas não teve coragem de interromper a leitura alheia. Segurou seu exemplar na altura dos ombros na esperança que a outra passasse os olhos pelo título em um momento de distração. Também não funcionou. Neste instante desejou livrar-se da mania feia de xeretar o que as pessoas lêem no trem, evitar enfiar a cara com indiscrição nas letras dos outros. Às vezes quase cai se contorcendo para ver as capas: romances espíritas, manuais de boa conduta em entrevistas de emprego, folhetos evangélicos, um ensaio sociológico com o carimbo da biblioteca da universidade onde estuda, “com certeza um aluno bolsista como eu...”.
Acorda de seus pensamentos quando percebe que a próxima estação é a sua, “atenção ao vão entre o trem e a plataforma!”, alerta a voz dos alto-falantes. Só então guarda o livro, desce do carro, e volta a correr pra pegar o ônibus que vai deixá-la, atrasada, na porta da escola onde trabalha tentando convencer da importância de ler os clássicos.
terça-feira, 3 de julho de 2007
II - OOT
O sonho perseguiu-o durante muito tempo. Tanto tempo que já não se lembrava dele com um sonho, mas como um acontecimento real. O estranho é que não se inscrevia na sua memória como um acontecimento passado mas como um acontecimento futuro. Não tinha aquele sabor de frutos secos, que tem tudo aquilo que pertence ao passado, pelo contrário estava de tal maneira vivo, que se introduziu na sua vida como um espinho na carne. Era como se um novo personagem tivesse entrado em cena, à revelia, depois do pano cair. Um pósfacio como um vírus, um hacker conduzindo a história a novos destinos: o romance finalmente liberto da tirania do criador.
III
7.30 am Rádio Comercial de Notícias
chile, américa latina, pinoché, violência, mortos, trabalhadores, exército, confrontos, crianças, incêndio, casa, família, mortos, governo, guerra, revolução, poder, povo, assassinio, Allende, luta, mortos, mortos, mortos, mortos...
Uma forte dor de cabeça trouxe-o até à realidade, momentaneamente. A luz infiltra-se pela janela do quarto semi-aberta, dolorosa, tal como o ruido que chega lá de fora, vozes e automóveis ruidosos, misturam-se com o locutor da radio que continua a debitar notícias:
avião, 260, abatido, pessoas, sul-coreano, mortas, erro, assassinio, desculpas, soviéticos, espionagem, civis, guerra, fria, americanos, povo, ocidente, blocos, leste, capitalismo, 260 mortos, erro, civis, inocentes, mortos, mortos, mortos, mortos...
Às apalpadelas, conseguiu colocar em off o radio-despertador e voltou a refugiar-se debaixo dos cobertores, sem som, sem imagem, regressou sem sobressaltos ao sono apaziguador, na doce casa do ópio,pensou, já incorpóreo.
IV
Macio. Ouve o estalar entre as bechas do acetato, enquanto acende o cigarro. Da mesa se pode ver o letreiro vermelho já com a tinta desbotada: menu.
Levanta-se, caminha oito passos, vira à esquerda e entra numa saleta iluminada por uma lamparina vermelha situada no centro. Sua sombra rabisca vultos nas paredes descascadas. Eco.
III
7.30 am Rádio Comercial de Notícias
chile, américa latina, pinoché, violência, mortos, trabalhadores, exército, confrontos, crianças, incêndio, casa, família, mortos, governo, guerra, revolução, poder, povo, assassinio, Allende, luta, mortos, mortos, mortos, mortos...
Uma forte dor de cabeça trouxe-o até à realidade, momentaneamente. A luz infiltra-se pela janela do quarto semi-aberta, dolorosa, tal como o ruido que chega lá de fora, vozes e automóveis ruidosos, misturam-se com o locutor da radio que continua a debitar notícias:
avião, 260, abatido, pessoas, sul-coreano, mortas, erro, assassinio, desculpas, soviéticos, espionagem, civis, guerra, fria, americanos, povo, ocidente, blocos, leste, capitalismo, 260 mortos, erro, civis, inocentes, mortos, mortos, mortos, mortos...
Às apalpadelas, conseguiu colocar em off o radio-despertador e voltou a refugiar-se debaixo dos cobertores, sem som, sem imagem, regressou sem sobressaltos ao sono apaziguador, na doce casa do ópio,pensou, já incorpóreo.
IV
Macio. Ouve o estalar entre as bechas do acetato, enquanto acende o cigarro. Da mesa se pode ver o letreiro vermelho já com a tinta desbotada: menu.
Levanta-se, caminha oito passos, vira à esquerda e entra numa saleta iluminada por uma lamparina vermelha situada no centro. Sua sombra rabisca vultos nas paredes descascadas. Eco.
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