terça-feira, 31 de julho de 2007

CIGARRO+MÁQUINA DE ESCREVER

procurou na mochila, na gaveta da cômoda, vasculhou a sala, o corredor, foi encontrar na geladeira o maço: vazio. a namorada o esperava no banho enquanto a porta lhe atraía, fundia no olhar o escape.

malmequer-bemequer-malmequer-bememerda de isqueiro, falhar logo agora, assim mesmo que ele não vem, que demora, o chuveiro aberto, a água fria que espanta o corpo, essa dor logo agora, respiração suspensa, bemebemeb.

os dedos ainda enrugados, a toalha enrolada no corpo, um último malboro vermelho pendurado na boca, graças ao velho hábito providencial de guardar três por maço, interrompendo a ansiedade imposta pela companhia da máquina de escrever na madrugada.

taquetaque: o inverno que lhe cobria o espírito era uma metáfora detestável, apesar de defini-lo com precisão, acostumado que ficou à rigidez lançada pelas palavras sobre si taquetaque: deixou-se levar por imagens que não eram pensamentos, uma adormência emergia, como escrever de olhos abertos no escuro taquetaque: introspecção ininterrupta, taquetaque: o sono e o fim da folha - isolamento compartilhado com ninguém, real.

tenho pressa no amor, não consigo comunhar comigo mesma, e assim não tenho tempo para quem quer que seja, que apareça de relance sem mudar nada. o malboro vermelho ainda não aceso descansa no cinzeiro. a vida se volta contra, inflige o mais pesar dos castigos se dela hesitamos em algum ponto, ou cremos inocentes que se pode seguir sem. o mesmo cheiro está no meu nariz, de corpo, de homem que não se mostra, decide por seu destino segundo antes e age como se soubera sempre de tudo antecipado, sua vacilação é apenas incremento, sua parcela de contribuição à coisa. eu o sentia tão perto que seu odor, agora, me sufocava, obrigando a me levantar, ir à janela acender o cigarro. a fumaça dissipou o cheiro e pude respirar novamente.

abriu a cortina do box: ela estava sentada no chão enquanto um filete dágua escorria do chuveiro: mais do que prostrada ali, reparou que suas mãos seguravam um isqueiro e murmurava num dialeto próprio: ela nem tinha notado sua presença, contrapondo tanta dedicação e fidelidade: era invisível aos olhos dos outros, menos aos dela, até esse momento

taquetaque: a porta ficou entreaberta, a luz das escadas ainda acesa, a sonoridade do boa-noite do porteiro se esvaindo, a marca invisível estampada na calçada, a funcionária da farmácia bradando com indignação, onde já se viu? o cara do bar sem troco, quando finalmente a chinesa, dona da pastelaria, compreende os gestos desesperados e lhe vende um avulso do próprio maço, mas no tëñö fogu, no tëñö fogu.

o telefone tá tocando, mas que diabos, quem ligaria? a essa hora? se for você, eu não atendo, mas como adivinhar? minha mediunidade travou desde aquilo, a tragédia fatal, tava tão evidente, como não pude prever, me desculpe me desculpe. desligaram. o cigarro tá quase no fim, últimas tragadas

Ps. As recomendações: escrever tudo em letras minúsculas e com o mínimo de pontos finais possível. Ele incentivando um cadáver a escrever, além da minha compulsão por cigarros. Cigarro + máquina de escrever...E quase nasce um conto urbano. Não sei fazer ficção.
Título original: Dueto - Muito mais TH que Yo

15 comentários:

Anônimo disse...

porque tua sina é ser daquelas velhinhas famosas que escrevem fragmentos e poesias eróticas sobre a própria vida e escandalizar jovens libertinos.

O Nome da Rosa disse...
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O Nome da Rosa disse...

FDP. hahaha

É, sou vou escrever bem feito vc quando estiver com 80 anos. =P
Eu acho que seu caminho é ser como Jorge Luís Borges. ;]

E Bukówski parece uma criança perto das poesias eróticas dos libertnos do século XVI. Pega lá um livro chamado "As cortesãs do renascimento". Ui é de cair pra trás.

Anônimo disse...

vc acha que no futuro serei um velho cego, solitário e conservador?

acredito estar mais para o sabato.

bucowski? só liga pra bucowski os escritores a que vc se refere no texto abaixo. ehhe

O Nome da Rosa disse...

A pretensão da criatura...Sábato? hauhauahuahuahauahuahuah O que eu gosto em vc é a humildade. rs

Vc largou a faculdade de história (e muito menos gosta de física).

Eles gostam de Bukówski, mas lecionam sobre Cortázar. hehe

Anônimo disse...

Mas eu me referia ao fato de ser um velhinho triste, sozinho, viúvo, morando numa casinha isolada e se dedicando à pintura.

Eles lecionam sobre Cortázar porque são espertos e entendidos eheh

Anônimo disse...

Essa história me fez lembrar da velhinha canadense que tem um programa sobre sexo na GNT. rs

Sobre ser 'um velhinho triste, sozinho viúvo e dedicado à pintura'... sei não. Vc é muito conservador para ser mais para Sábato e acha que a história é uma ficção tanto quanto Borges acahava. A diferença é que vc fala de amor quando escreve, mas é discípulo do Barthes, que defende que a referência do texto é o próprio texto. Quem bateu essa letra foi Borges...

Anônimo disse...

claro que sou conservador, afinal, é a classe mais liberal que existe (aprendi essa com vc!).

e não tenho dúvidas que a História é uma ficção, às vezes da pior espécie. culpa dos jornalistas (pra dar uma alfinetada grátis).

se falo do amor, é porque não o tenho em minha vida, ó céus! ~~ uhahuahua

"u amôoo éu calôoo quiaquece a'lma."

Mauro Amoroso disse...

Achei sensacional!

Mauro Amoroso disse...
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Mauro Amoroso disse...

Achei sensacional!

Mauro Amoroso disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mauro Amoroso disse...

Na verdade não tão sensacional, assim, só sensacional, mas queria ter dito isso só uma vez... meu mouse me olha estranho... acho que ele está se movendo..

Anônimo disse...

Nunca falei em Classe. rs Usei a frase "Nada mais liberal que um conservador no poder e nada mais conservador que um liberal no poder". rs Falei dos partidos no Império. Mais ou menos como o PT e o PSDB hoje. rs Aliás o termo "liberal" é marca fantasia em se tratando de Brasil. haha

Anônimo disse...

me lembra de ir na tua casa arrumar seus livros e colocá-los pra vender. vc tá precisando. deveria postar o texto do frog aqui tb. tá bom. X)