segunda-feira, 21 de abril de 2008

Fala Meriti!

Saens Peña - Pavuna. Tabuleiros com cenouras em bacias azuis, tomates em bacias verdes, morangos em bacias amarelas, sardinhas-prateadas, namorados-rosados, moleque-piranha e uma jaula com 4 bodes dentro. Vertiginosamente, é isso que eu vejo andando apressada pela feirinha da Pavuna. Lá onde "a dona cebola que estava envocada deu uma tapa no seu pimentão". A feirinha esbanja cores e cheiros em contraste com o cinza do asfalto e na falta do verde-azul das árvores e do mar da zona sul. No meu caminho, sempre imagino as barracas de frutas, verduras e peixes, como contínuo cromático congelado. Se pudessem capturar as cores com os cheiros seria uma experiência estética e tanto. O que eu não vejo, sei que existe porque farejo.



Pergunto onde pego o ônibus para a Vila União, atravesso o centro de São João, chego na praça da Matriz que fervilha de gente nos pontos de ônibus, camelôs que vendem todos os sabores do biscoito fofura, todos os tipos de bala, todos os tipos de refrigerantes genéricos, além da coca-cola e pergunto de novo para um fiscal que está suando em bicas: "Onde pego o ônibus pro Ciep Jean-Batiste Debret?" Dou nome e sobrenome à escola. O fiscal responde: "Ah! O Ciep 179...Você pega o 103 pra Nilópolis."Dentro do ônibus pergunto ao trocador: "Falta muito?"



O Ciep tem nome de número e paredes azuis e vazadas. Aspiro poeira do caminhão que passa, vejo uma carroça logo a seguir. O ar de São João é carregado de uma poeira fina, que não é necessariamente do asfalto, parece terra.Essa escola me lembrou em alguma medida, uma escola que ficava na zona rural de Cruzeiro, na qual eu fazia estágio nos meus tempos de normalista. O ar tinha essa mesma consistência e coloração amarronzada. O ar tem gosto de terra. Terra seca. O bairro, onde se localiza a escola, fica na periferia de São joão e mistura elementos de subúrbio, favela, assim como, de uma cidade do interior. É um bairro pobre, com casas inacabadas, antigas e com um colorido desbotado. Como se a tinta das peredes tivesse dissolvido depois de tanta chuva ou como se fosse aplicada diretamente sobre o cal. As casas têm cores de giz. As ruas são asfaltadas, mas poeirentas. Imagino que aquela terra toda tenha origem nas ruas próximas onde o asfalto ainda não chegou. Meninos soltam pipas e jogam bola nas ruas paralelas à escola. Outros estudantes transitam na calçada indo em direção à escola de enfermagem que fica a dois quarteirões do ciep onde leciono.



Cada quarteirão tem no mínimo 2 botequins que nunca vi vazios no meu dia de trabalho. O porteiro da escola abre o portão, me cumprimenta e subo a rampa do Ciep até o terceiro andar. O chão é cinza, cor-de-grafite. Segue um barulho infernal, que ainda não consigo localizar com precisão de onde vem. As vozes ultrapassam as paredes brancas das salas, se misturam no corredor e chegam aos meus ouvidos.604. Abro a porta azul-marinho-acrílico. Entro: "Eu sou a nova professora de História de vocês".



+ Texto originalmente publicado no blog "O nome da Rosa" em 07 de Junho de 2007 sob o título:"Techinicolor".



Muita coisa mudou na minha forma de olhar o trajeto de casa até o trabalho. E o encantamento que sentia através do olhar distanciado, estrangeiro vem se transformando num olhar minuncioso, intimo ou, muitas vezes, pelo avesso: pela pressa, pela frequência, pelo cansaço, tenho olhado Meriti com indiferença.

A vida segue linear sobre os trilhos do metrô e com a precisão de um relógio atômico, em 45 minutos chego ao meu destino. Os gestos se dão de forma regular e constante acompanhando o tique-taque dos ponteiros.

A intimidade criada a partir da repetição dos dias, conteúdos e da paisagem suburbana congelada e inodora através dos vidros do metrô transforma o trabalho, muitas vezes, numa linha de produção e como um operário que prevê seu dia: bato o ponto.

No entanto, o cotidiano também traz um sentimento de pertencimento, de comunidade. Me vejo na fronteira, me equilibrando numa tênue linha entre a descoberta e a indiferença acerca da sub urbe.

A Pavuna é a última estação do metrô, é o fim da cidade, da urbe. Lá onde o Rio Cidade não chegou, onde a ruas se assemelham ao solo lunar e a sujeira carrega o rio Meriti. E passo todos os dias pelas barracas de fruta, pelos gatos nas barracas de peixe que atraem moscas varejeiras, pelo asfalto salpicado de escamas, pelos tomates apodrecidos, pelos ratos, pelo calor infernal, pelo burburinho dos passantes e pela fumaça negra expelida dos canos dos ônibus e kombis que saem do terminal rodoviário.



O contraste desse quadro com as imagens da minha infância e adolescência nas ruas limpas, amplas, asfaltadas e arborizadas da zona sul é um choque elétrico na espinha. Mais do que um exercício antropológico, onde me coloco no lugar do outro, me dói, todos os dias, chegar ao trabalho.

Me dói pela repulsa a tanta pobreza, por tanto descaso. Sigo. Engulo a poeira do ar e vou em frente, anestesiada.

É o abismo entre o trem e a plataforma. Quando chego em casa, é como se o metrô tivesse me teletransportado para outra dimensão de uma mesma cidade. A gente entra, senta, segue contínuo e quando sai do vagão está em outro lugar, completamente díspare.

A brutalidade da pobreza se contrapõe a suavidade dos meus alunos e alunas sob o uniforme azul e branco, os sapatos boneca e os trabalhos de escola. Alunos que não têm aquela arrogância característica das classes altas, de quem nasceu e foi educado para mandar: a classe patronal.

De todos os meus alunos, em todas as escolas em que trabalho, são com os alunos de Meriti que estabeleço laços de afeto, que me identifico.

Quase que norteada por um sentimento cristão, é por eles que eu sigo sem me importar que tenha deixado meus mortos de lado, apesar da saudade dos livros.

15 comentários:

Anônimo disse...

sem textos velhos. queremos inéditôs, inéditôs!

shshs

Anônimo disse...

fIO, TEM UM TEXTO NOVO SOBRE O texto véio. Eu não tenho tempo de ócio suficiente para escrever com cuidado. Essa semana...quem sabe.

Manda um texto seu agora. A Anna está atolada com a tese.

Abra Erica

Anônimo disse...

ô tia, eu larguei desses troços. agora só no brogue. ~

Anônimo disse...

Ahhhh! Thiago...Agora que tem um blog todinho seu que com certeza vai dar a louca e apagar na semana que vem... tá desprezando o "Entropia". =PPPPPP

Seu besta!

Sem tu, esse aqui vai continuar devagar, quase parando. Porque como uma boa escrava, não tenho tempo pra PORRA nenhuma.

Abra
Erica

Anônimo disse...

não é à toa que o endereço do meu blog é 'por tempo indeterminado' shshs, mas lá nem é o mesmo que aqui, lá é outra coisa.

e nem tô desprezando o seu blog. venho mais aqui que em outro lugar (olha o ibope).

é mais lance de não escrever mesmo. mas a gente pode pensar em alguma coisa. não tem mais gente pra colaborar?

agitaê, povo!

e por que tu tá postando como anônima?

O Nome da Rosa disse...

To lisonjeada. Obrigada =D

Falei com o Hugo.

Tava postando como anônima pq estava com preguiça de logar.

Anônimo disse...

antes preguiça que falta de tempo?

mas te falar que fico meio bolado com o meu texto do post abaixo desse.

então vamos movimentar isso aqui.

Anônimo disse...

serve isso?:

Esta tese reúne observações críticas sobre o samba como manifestação musical urbana e de massas, discute a atualidade de um gênero tradicionalmente afirmado como síntese da sonoridade nacional, e analisa a reconfiguração das composições musicais num contexto de globalização dos signos. Tendo em vista tais propósitos, debruçamo-nos sobre discursos que ainda hoje evocam a força simbólica do samba como meio de legitimar projetos políticos e consolidar modelos estéticos. Estas reflexões se corporificaram em três textos interconectados. O primeiro é dedicado ao estudo das políticas culturais de patrimônio imaterial que tomaram o samba como objeto a partir do ano de 2004. O segundo tece considerações sobre a vertente tradicionalista da crítica de música popular por meio da análise das obras de dois de seus principais expoentes, o historiador José Ramos Tinhorão e o pesquisador e compositor Nei Lopes. O último capítulo trata da reivindicação de um trajeto único para o desdobramento do samba por parte dos artistas mais conservadores, e dos desvios promovidos pelos novos modos de criação e circulação musical.

he,he,he! foi mal queridos! eu estava com saudades... bjs.

Anônimo disse...

ae, vamos parar com isso, porque segundo um artigo lá da constituição (que tô com preguiça de procurar)da nossa democracia, dá ao cidadão a liberdade de expressão, desde que não faça uso da assinatura anônima.

anna, será parto normal ou cesária? |P

eu acho que serviu, mas é a dona do blog que manda.

e ai, vamos fantasticar no feriado?

Anônimo disse...

vai ser puxado a ferro, pq já passou do tempo! tudo o que eu quero é poder voltar a me entediar assistindo fantástico no fim de semana.

Anônimo disse...

vê, adoro esta música. poderia ter sido feita por você... lembrei dela lendo seu papo com fabrício no fotolog. bjs.

Água Perrier
(Adriana Calcanhoto)

Não quero mudar você,
Nem mostrar
Novos mundos
Porque eu, meu amor, acho graça até mesmo em clichês.
Adoro esse olhar blasé
Que não só
Já viu quase tudo
Mas acha tudo tão déjà vu mesmo antes de ver.

Só proponho
Alimentar seu tédio.
Para tanto, exponho
A minha admiração.
Você em troca cede o
Seu olhar em sonhos
À minha contemplação:
Aí componho uma nova canção.

Adoro, sei lá por que,
Esse olhar
Meio escudo
Que em vez de qualquer álcool forte pede água perrier

Adoro, sei lá por que,
Esse olhar
Meio escudo
Que não quer o meu álcool forte e sim água perrier

Anônimo disse...

maneira a música. não conhecia =D

O Nome da Rosa disse...

Prefiro esta:

Senhas
Adriana Calcanhotto
Composição: Adriana Calcanhoto

Eu não gosto do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto (2x)

Eu aguento até rigores
Eu não tenho pena dos traídos
Eu hospedo infratores e banidos
Eu respeito conveniências
Eu não ligo pra conchavos
Eu suporto aparências
Eu não gosto de maus tratos

Mas o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto

Eu aguento até os modernos
E seus segundos cadernos
Eu aguento até os caretas
E suas verdades perfeitas

O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto

Eu aguento até os estetas
Eu não julgo competência
Eu não ligo pra etiqueta
Eu aplaudo rebeldias
Eu respeito tiranias
E compreendo piedades
Eu não condeno mentiras
Eu não condeno vaidades

O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Não, não gosto dos bons modos
Não gosto

Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem (2x)

Eu gosto dos que têm fome
E morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem (5x)


"Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem"

Adriana Calcanhoto é fodástica. Meu paladar, felizmente, acha água perrier cara e insossa toda vida. Prefiro me entorpecer bebendo vinho vagabundo e muito bem acompanhada. ;]

O Nome da Rosa disse...

Henrique hoje estava colocando vc nas alturas, lá na sala dos professores. Dizendo que existiam doutorandos, mas que "A Anna é a Anna, está Muito acima". Falou que foi a melhor tese sobre Música que ele leu e blá blá blá. =D

Ps. Falou que quinta antes da defesa vai rola birinights, ok?

Anônimo disse...

assim que eu entregar esta porcaria de tese, tomo um porre com o primeiro pinguço que aparecer na minha ferente! nem vou esperar a quinta antes da defesa. o henrique é massa, também me amarro nele. nos esbarramos na puc quarta passada. a gente pode tomar uma cerveja juntos qualquer dia desses. eu aqui, na minha instabilidade constitutiva, estou há uns três dias sentindo a cabeça rodar sem intervenção de alcool. acho que estou com labirintite! ou então é stress...