Tinha o chão desnudo esperando o piso frio, quando naquela tarde quente lhe passamos a vista pela primeira vez. Depois de atravessarmos a estação de trem, perambularmos por todos os prédios do lado de lá, de duas águas minerais, suarmos em bicas e recebermos vários "não temos apartamento de quarto e sala para alugar", resolvemos, por indicação de um comerciante de carros usados, entrar numa imobiliária, que ficava escondida sob uma porta de madeira de lei, num prédio comercial.
Vi uma banheira daquelas antigas, verde. Um conjugado com uma banheira verde e uma janela de madeira carcomida pelos cupins maior que o apartamento. Lembrou-me a janela da casa da minha avó, janela esta, que escancarava a casa para o mundo e o mundo entrava com a intimidade de um amante para dentro da casa. Minha avó sempre abria a janela, cantando todos os dias uma música do seu tempo de menina, fazendo com que a luz do dia nos acordasse de forma abrupta. E de repente, quem entrava silenciosa pelas frestas, arrebentava nossas retinas. A manhã nos dava um tapa na cara.
Amei a janela. Era a janela da minha infância na casa da minha avó. O proprietário quer trocar, como já trocou os tacos do chão. Não queria que trocasse, só para seguir o ritual de girar o trinco, escutar o som do atrito do ferro e aspirar à rua através daquela moldura esbranquiçada. Já pensou: acordar num sábado de manhã e fazer o movimento de abrir os braços para deixar a luz entrar? Dispenso a visão translúcida e anti-séptica do vidro das janelas de alumínio. Já me basta esta janela de cristal líquido em 14 polegadas, pela qual vos falo.
Já na minha adolescência, vovó colocou grades nas janelas de madeira e nos vitrôs, assim como passou a chave na porta da rua. Januária na janela passou a ver o mundo fatiado em retângulos, porque aquela cidadezinha de 80 mil habitantes estava ficando perigosa.
Ter uma janela dessas, numa cidade como o Rio de Janeiro, é no mínimo um ato insano, tão insano que chega a ser obsceno não se proteger no clima de insegurança e paranóia geral.
Mas, que a minha pimenteira beberrona ficaria linda no canto do parapeito da janela...Ah! Ficaria!
sexta-feira, 23 de maio de 2008
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14 comentários:
ô querida, como é bela e romântica a sua visão da casa nova! mas não esqueça que taco velho se desprega, janela de madeira mal conservada se desmancha e as banheiras de 1950 trazem de brinde um encanamento enferrujado. você vai ficar ainda mais pintadinha se tentar banhar-se nela, he,he,he. deeeixa seu senhorio reformar o barraco e te oferecer mais praticidade! poupe o tempo de encerar o chão para as dez mil provas que você tem que corrigir. eu tô adorando te ver assim, criando asas. ando muuuito orgulhosa de ti! beijos e boa sorte na nova vida.
ó!
parabéns!
cê acertou a mão em cheio! =D
A gente vive num automatismo tão grande que até esquece a poesia que pode ser encontrada (ou construída) em uma simples janela.
Lendo seu texto lembrei da Madeleine do Proust. Acho que sua janela é o seu "bolinho da nostagia". =)
Ah, ressuscitei meu blog, tá?!
=*
da minha janela eu vejo o bar da moda, cadeiras na calçada, jovens de classe média bebendo sua cerveja despreocupados. o som é agradável a ponto de me fazer ter vontade de descer, e nas noites de sábado em que tenho que trabahar em casa eu lamento não ter uma boa espingarda de chumbinho pra mirar aqui de cima o trazeiro de quem ousa se divertir enquanto eu peno!
poxa, anna, cê deveria fazer que nem gente rica e tacar ovo (podre, que aí não é desperdício de comida).
se eu ainda fosse classe-média, te pediria pra tacar um pouco mais pro lado, tu imagina, a gente sempre quer proteger o nosso.
=D
ps: ainda não pariu?
vô atirar em tu não nêgo, fique tranquilo. mais fácil eu te convidar pra tomar uma bohemia lá embaixo, assim que eu entregar esta bendita tese (segunda ou terça-feira, se deus quiser!). tô fazendo os reparos finais, que é a parte mais chata, porque não aguento mais o texto e porque já perdi a capacidade de discernimento.
ah, falando em tese, meu amigo guilherme zarvos vai defender a dele no dia 13. depois vai rolar a inauguração da loja do cep aqui no catete (dois momentos de um mesmo evento). a tal da loja vai funcionar como um centro cultural aberto à performance, leituras e exposições. os organizadores também vão buscar formas acessíveis de publicação para "jovens autores". se estiver na pilha de ir, me dá um toque que eu te envio as coordenadas.
bjs.
oi anna!
recebi seu email, acredito que com as coordenadas. tenho aula nesse dia, mas darei uma olhada.
te confessar aqui que até tenho um livrinho de contos semi-pronto, faltando apenas encontrar alguém pra fazer as ilustrações e o drama de conseguir um espaço pra publicar.
|*
pois é, guilherme me falou por alto de produzir umas publicações de baixo custo e de fazer da loja um ponto de distribuição. em todo caso, a festa deve começar lá pras oito horas. eu vou com certeza. qualquer coisa me liga.
anna,
vi o convite. começa 20h, mas tu acha que dura até quando? tenho aula exatamente nesse horário e só poderia chegar bem mais tarde.
érica,
cadê tu?
beijo pras duas
olha, eu não sei se a galeria onde fica a loja determina limite de horário, mas se depender daquele povo não vai acabar cedo. pra facilitar, você pode me ligar quando estiver saindo da aula que eu te digo se ainda tá rolando, o que acha? bj.
ps: o problema é que zarvoleta já vai estar bêbado, não sei se vai dar pra conversar sério com ele, he,he,he.
ahahaha! poxa ~
eu vou sair um pouco mais cedo. se for tranquilo, chego por volta de 21h20.
me passa seu cel por email, porque não tenho certeza de tê-lo.
comentei com o hugo. afinal, ele mora perto.
e tu, érica, também não vai?
beijos
Oi. Você passou no meu blog, elogiou o meu texto... me senti convidado à vir aqui. Gostei do que vi... mas já vi que muito gente gosta também! Comentei nesse texto... mas a força do beijo anterior foi o que me motivou a continuar lendo o blog até os primórdios. Até.
p.s: como vc ficou sabendo do meu blog?
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